Johan Huizinga, filósofo holandês do começo do século XX, dedicou um livro inteiro (Homo Ludens, 1938) a esta pergunta. Ele analisa e supõe que, de todos os fenômenos, o jogo talvez seja o mais impossível de definir. No entanto, podemos falar diversas coisas interessantes sobre suas características:
A psicologia e a fisiologia procuram observar, descrever e explicar o jogo dos animais, crianças e adultos. Procuram determinar a natureza e o significado do jogo, atribuindo-lhe um lugar no sistema da vida. A extrema importância deste lugar e a necessidade, ou pelo menos a utilidade da função do jogo são geralmente consideradas coisa assente, constituindo o ponto de partida de todas as investigações científicas desse gênero. Há uma extraordinária divergência entre as numerosas tentativas de definição da função biológica do jogo. Umas definem as origens e fundamento do jogo em termos de descarga da energia vital superabundante, outras como satisfação de um certo “instinto de imitação”, ou ainda simplesmente como uma “necessidade” de distensão.
Segundo uma teoria, o jogo constitui uma preparação do jovem para as tarefas sérias que mais tarde a vida dele exigirá, segundo outra, trata-se de um exercício de autocontrole indispensável ao indivíduo. Outras vêem o princípio do jogo como um impulso inato para exercer uma certa faculdade, ou como desejo de dominar ou competir. Teorias há, ainda, que consideram uma “ab-reação”, um escape para impulsos prejudiciais, um restaurador da energia dispendida por uma atividade unilateral, ou “realização do desejo”, ou uma ficção destinada a preservar o sentimento do valor pessoal, etc.
(…)
Se, portanto, não for possível ao jogo referir-se diretamente às categorias do bem ou da verdade, não poderia ele talvez ser incluído no domínio da estética? Cabe aqui uma dúvida porque, embora a beleza não seja atributo inseparável do jogo enquanto tal, este tem tendência a assumir acentuados elementos de beleza. A vivacidade e a graça estão originalmente ligadas às formas mais primitivas do jogo. É neste que a beleza do corpo humano em movimento atinge seu apogeu. Em suas formas mais complexas o jogo está saturado de ritmo e de harmonia, que são os mais nobres dons de percepção estética de que o homem dispõe. São muitos e, bem íntimos, os laços que unem o jogo e a beleza.Apesar disso, não podemos afirmar que a beleza seja inerente ao jogo enquanto tal. Devemos, portanto, limitar–nos ao seguinte: o jogo é uma função da vida, mas não é passível de definição exata em termos lógicos, biológicos ou estéticos. O conceito de jogo deve permanecer distinto de todas as outras formas de pensamento através das quais exprimimos a estrutura da vida espiritual e social. Teremos, portanto, de limitar-nos a descrever suas principais características.
(…)
Como a realidade do jogo ultrapassa a esfera da vida humana, é impossível que tenha seu fundamento em qualquer elemento racional, pois nesse caso, limitar-se-ia à humanidade. A existência do jogo não está ligada a qualquer grau determinado de civilização, ou a qualquer concepção do universo. Todo ser pensante é capaz de entender à primeira vista que o jogo possui uma realidade autônoma, mesmo que sua língua não possua um termo geral capaz de defini-lo. A existência do jogo é inegável. É possível negar, se se quiser, quase todas as abstrações: a justiça, a beleza, a verdade, o bem, Deus. É possível negar-se a seriedade, mas não o jogo.
(…)
Um problema muito diferente é procurar determinar o conteúdo lúdico da ciência moderna, pois aí deparamos com uma dificuldade fundamental. No caso da arte, o jogo pode ser tomado como um dado imediato da experiência, uma quantidade geralmente aceite, ao passo que na ciência somos constantemente obrigados a pôr em causa a definição dessa quantidade, procurando formulá-la em termos novos. Se aplicarmos à ciência nossa definição do jogo como atividade desenvolvida dentro de certos limites de espaço, tempo e significado, segundo um sistema de regras fixas, poderemos chegar à conclusão surpreendente e assustadora de que todos os ramos da ciência são outras tantas formas de jogo, dado que cada uma se encontra isolada em seu próprio campo e é limitada pelo rigor das regras de sua própria metodologia.
Huizinga, como filósofo europeu de outra época, dedicou-se a responder esta pergunta da maneira mais longa e profunda, assim como seus pares filósofos franceses e alemães. Mas como administrador do século XXI, meu desafio é tentar responder essa questão da forma mais eficiente, isto é, mais sucinta e abrangente possível: um jogo é um universo imaginário, com limites definidos de tempo e espaço, habitados por artefatos simbólicos e estruturas que servem como representantes de interações dinâmicas entre si e com o mundo real.
Eu usei os termos “imaginário” e “real” apenas como facilitadores da comunicação, porque, de acordo com artigos recentes em neurociência (como em “Impaired spatial selectivity and intact phase precession in two-dimensional virtual reality”, de 2014, Your Brain in fiction, de Annie Murphy Paul, e a publicação do site The Conversation, “Games on the brain can take virtual experiences to real world”), dentro do cérebro, acontecimentos no jogo ou lembranças sobre o mundo real são vivenciados da mesma maneira. Não há argumento científico que prove que o mundo do jogo é menos real do que o mundo em que você vive. O universo dito “imaginário” pode ser muito mais revelador e transmitir mais realidade e significado para o jogador. Isso não significa que seja mais real, mas outra maneira de expressar a mesma realidade. Em outras palavras, o universo paralelo do jogo é sempre uma reflexão do universo do jogador. Esta é a propriedade do espelhamento, que torna ambos os universos reais, porque as possibilidades do jogo são sempre um reflexo das escolhas feitas pelos seus jogadores. Se você já se perguntou o porquê das pessoas verem significado quando jogam búzios ou tarot, saiba que isso pode ter uma explicação científica.
O Círculo Mágico
Um jogo só começa quando há pelo menos um jogador. O jogador entra no jogo apenas quando faz essa escolha, ou seja, pela manifestação de seu desejo. A partir daí, a consciência do jogador habita o universo paralelo do jogo, ou como Huizinga chamou seu livro de círculo mágico. Dentro do círculo mágico, o jogador deve fazer escolhas para atender às limitações criadas pelas circunstâncias. Enquanto joga, o jogador sabe que o que está “em jogo” é o resultado de seus movimentos, sendo assim, ele tem o desafio de responder às limitações das circunstâncias para alcançar seus objetivos, gerando um score.
Quando o jogador supera o desafio por sua própria habilidade, ele alcança seu objetivo e gera um resultado que eleva seu status no jogo. Quando ele falha, dependendo das regras do jogo, ganha nada ou pode ser penalizado com a redução de status. Ainda assim, falhando ou sucedendo, ambos os resultados contribuem para a acumulação de experiência e desenvolvimento das habilidades do jogador, simplesmente porque ele teve a coragem de jogar.
Ao experimentar o sentimento de triunfar contra o acaso e alcançar um objetivo, o cérebro libera um hormônio chamado dopamina, que cria um sentimento de felicidade e êxtase. Mais viciante do que álcool e drogas, a dopamina é a sua recompensa química da natureza por exercitar as habilidades necessárias para a sobrevivência.
Meta – Definindo um Alvo

Meta é uma palavra presente tanto no grego como no latim e tem significado não só de limite, marcador e alvo, mas traz para si também a ideia de além, de abstração ou transcendência de algo. Quando, pela primeira vez, um homem das cavernas desenhou na parede um alvo para desenvolver sua capacidade de caçar, a humanidade descobriu a abstração do jogo. Mesmo quando jogamos uma bola para o cachorrinho pegar, há um jogo acontecendo. Há um jogo cada vez que uma meta é estabelecida, pois é o estabelecimento da meta que coloca em jogo as possibilidades de fracasso e sucesso.
Escrito por Rodrigo Arantes